"O espelho da escolha: Por que insistimos em relações que não nos escolhem?"

15-01-2025

Por que é que muitas vezes envolvemo-nos em dinâmicas amorosas que, à primeira vista, parecem estar em total desacordo com aquilo que queremos? 

Esta reflexão explora a complexa relação entre as nossas escolhas inconscientes e os nossos desejos conscientes.

O Paradoxo das Escolhas Amorosas: O Que Buscamos Versus O Que Aceitamos 

É intrigante como, muitas vezes, encontramo-nos presos em padrões relacionais que contradizem os nossos próprios desejos declarados. 

Dizemos que queremos relacionamentos estáveis, amorosos e seguros, mas só nos sentímos atraídos por pessoas que claramente não têm essas mesmas intenções. Mais ainda: continuamos nessa dinâmica, insistindo em transformar o outro, em provar que somos "dignos" de amor, enquanto a realidade nos mostra, repetidamente, que estamos numa batalha que apenas desgasta.

A questão não é quem está certo ou errado – se somos nós que insistimos em quem já disse que não quer compromisso, ou se é o outro que, com clareza, afirma desde o início as suas intenções contrárias às nossas. O verdadeiro conflito está no desalinhamento entre o que desejamos e as escolhas que fazemos. Por que continuamos a insistir naquilo que sabemos que nos traz sofrimento?

Escolhas Inconscientes e Crenças Antigas 

Grande parte dessa dinâmica está relacionada com padrões inconscientes que carregamos, muitos deles moldados por crenças e experiências da infância. Por exemplo, se crescemos a acreditar que amor é algo que deve ser conquistado, e não oferecido livremente, é provável que procuremos relacionamentos que reforcem essa narrativa. A sensação de precisar "provar" o nosso valor para merecer afeto coloca-nos em ciclos de esforço constante, muitas vezes em relações desequilibradas.

Além disso, há o fascínio do desafio. Inconscientemente, podemos associar relações fáceis e disponíveis à monotonia, enquanto as dinâmicas complicadas, cheias de obstáculos, parecem mais emocionantes. Mas essa emoção tem um custo alto.

  • Crença de que o amor precisa de ser conquistado: A ideia de que, se conseguir "mudar" alguém, provará o seu valor.
  • Busca inconsciente por desafios: Relacionamentos fáceis e disponíveis podem ser vistos, inconscientemente, como "menos excitantes" ou desafiadores.
  • Padrões aprendidos: Vivência, na infância, de relacionamentos onde o amor era altamente condicional, onde a aprovação ou afeto eram algo a ser "ganho", "conquistado".
  • Fuga da vulnerabilidade: Envolver-se com alguém indisponível pode ser uma forma inconsciente de evitar expor-se profundamente. Afinal, se a relação já começa com barreiras, não há um terreno seguro para o verdadeiro compromisso (o que, paradoxalmente, pode ser algo que se teme).
  • O Jogo de Poder e a Ilusão da Mudança

    Quando nos envolvemos com alguém que declara não querer compromisso, muitas vezes, embarcamos numa tentativa de "mudar" essa pessoa. Essa luta de poder – ele, mantendo a sua liberdade declarada, e nós, tentando transformá-lo – é desgastante e, na maioria das vezes, infrutífera.

    Essa insistência, no fundo, pode ser uma forma de evitar encarar as nossas próprias inseguranças e medos. Se o foco está em "conquistá-lo", não precisamos lidar com perguntas mais difíceis, como: "Por que aceito menos do que mereço?" ou "Por que tenho medo de alguém que esteja totalmente disponível para mim?"

    Lições dos Contos de Fadas: A Simbologia de Branca de Neve

    Curiosamente, personagens como a Branca de Neve, oferecem insights valiosos sobre essas dinâmicas. Bruno Bettelheim, em Psicanálise dos Contos de Fadas, analisa como o conflito entre a Branca de Neve e a sua madrasta simboliza rivalidades internas e o confronto com os próprios medos. A madrasta, obcecada com sua imagem no espelho, representa o lado sombrio da mãe que, em última instância, é a nossa própria voz, crítica, que nos faz questionar constantemente o nosso valor.

    Branca de Neve, por sua vez, invade a casa dos anões – figuras que representam a transição entre a infância e a maturidade. É um momento de pausa, de introspecção, onde ela precisa de se afastar das dinâmicas de emaranhamentos do seu sistema familiar para crescer. O sono induzido pela maçã é simbólico de transformação: ela "morre" como menina e desperta como mulher, pronta para um relacionamento amoroso que reflete a sua nova maturidade emocional.

    E onde isso nos deixa? Talvez na reflexão de que o amor saudável não é uma batalha para ser vencida, mas uma parceria que floresce quando há alinhamento de intenções e valores. 

    O Amor não é procura, é encontro!

    Quebrando o Ciclo: Escolhas Conscientes - Contribuição das Constelações Familiares

    Reconhecendo padrões herdados no sistema familiar:

    Muitas vezes, escolhas que parecem pessoais estão profundamente ligadas ao nosso sistema familiar. Pode haver uma identificação inconsciente com histórias de sofrimento amoroso vividas pelos nossos pais, avós ou outros antepassados. Por exemplo:

    - Mulheres da família que sempre se envolveram com homens indisponíveis emocionalmente.

    - Dinâmicas de abandono, relações extraconjugais, relações desequilibradas que geraram mágoas profundas.

    - Repetição de padrões ligados à mãe, ao pai ou a outros membros, como uma forma de pertencimento ao sistema familiar.

    Contribuições das Constelações Familiares

    Trabalhando o equilíbrio entre dar e tomar:

    Nos relacionamentos, o equilíbrio entre o que damos e tomamos é essencial. Quando nos anulamos para tentar "conquistar" alguém, muitas vezes estamos a recriar padrões de desequilíbrio emocional herdados.

    As constelações ajudam a compreender onde esse desequilíbrio teve origem – talvez na relação com os pais ou em lealdades familiares – e a trabalhar para restaurá-lo, promovendo relações mais saudáveis.

    Restaurando a relação com os pais:

    Segundo a visão sistémica das constelações, a nossa primeira experiência de amor e pertencimento ocorre com os nossos pais. Se há bloqueios ou mágoas nessa relação, isso pode impactar a nossa capacidade de criar relacionamentos saudáveis na vida adulta.

    Por exemplo: Uma mulher pode repetir o padrão de "curar" parceiros indisponíveis porque, em algum nível, está a tentar curar questões não resolvidas com o pai emocionalmente distante. Ou pode rejeitar homens que estão disponíveis e amorosos, pois isso não "combina" com o modelo de relacionamento internalizado a partir da história dos pais.

    As constelações permitem que essas dinâmicas sejam vistas e trabalhadas, promovendo a reconciliação, a ordem e um fluxo saudável de amor.

    Identificando lealdades invisíveis:

    Muitas vezes, agimos em lealdade a histórias ou destinos de membros da família sem nos darmos conta. 

    Por exemplo: "Eu sofro no amor como a minha mãe sofreu, porque assim honro o sofrimento da minha mãe e não me mostro superior a ela."

    "Eu envolvo-me com homens indisponíveis porque estou a repetir o destino de uma tia ou avó que não foi feliz no amor."

    As constelações trazem à luz estas dinâmicas, permitindo que possamos honrar os nossos antepassados sem expiação, sem sofrimento, sem repetir as suas dores, os seus destinos.

    Libertando a necessidade de salvar ou mudar o outro:

    A constelação familiar mostra que cada pessoa tem o seu próprio destino e que tentar carregar ou mudar o destino de alguém é algo que provoca uma desordem no sistema familiar. Reconhecer o outro como ele é, sem tentar transformá-lo, é essencial para construir relações mais saudáveis e com respeito.

    Reconhecendo o próprio lugar no sistema:

    Uma questão comum é tomar para si responsabilidades ou papéis que não nos pertencem. Isso pode incluir tentar ser "pai" ou "mãe" emocional do parceiro. A constelação pode ajudar a tornar consciente a projeção oculta nesta dinâmica - a da inversão de papéis (parentificação) que ocorreu na nossa infância. Reconhecer o nosso lugar no sistema familiar, devolve-nos leveza, pois libertarmo-nos de cargas, pesos, fardos, que não são nossos, são dos nossos pais.

    As relações que escolhemos refletem a relação que temos connosco e com o nosso sistema familiar, em particular com a mãe e com o pai. Não somos nós quem escolhe os nossos parceiros, é o nosso sistema familiar, de acordo com aquilo que precisa, que o serve, para irmos adiante enquanto sistema.

    Ninguém casa apenas com outro, casa com todo o sistema familiar!

    Por isso, ao alinharmos os nossos desejos conscientes com as nossas escolhas, criamos espaço para relacionamentos mais autênticos, úteis e saudáveis. 

    Afinal, o verdadeiro desafio não é mudar o outro, mas permitir-nos viver um amor que já está alinhado com quem somos e com o que queremos.

    Rita Santos

    © 2021 Todos os direitos reservados a Rita Santos
    Desenvolvido por Webnode Cookies
    Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora